segunda-feira, 20 de agosto de 2012

FOSSEM OS LÁBIOS DE CETIM...

Kenne Gregoire

Fossem os lábios de cetim e o beijo deslizaria, mudo, pelo corpo inteiro, teimoso e inquieto, em busca de entregas e segredos devorando o caminho com malícia, ganhando o mundo e arredores em fragmentos de memória. O tempo, errático,  a esgueirar-se com a leveza da borboleta e ela, mostrando-se mais forte do que supunha, oferecendo o sorriso a quem lhe provara as lágrimas. Os braços, generosamente abertos, cuja solidez derretia na existência adormecida , apontando as fragilidades do amor: na alma, a liberdade, no coração a propriedade. 

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

NOVOS TALENTOS FNAC LITERATURA




Fashion heroine entre os cinco contos mais votados. A todos e a tantos que se empenharam e mobilizaram para que tal fosse possível os meus sinceros agradecimentos. Este é um conto vosso!

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

ENTREVISTA COM ALICE VIEIRA



A entrevista com uma grande senhora das letras que muito nos honra com o seu brilho. Dona de um humor e energia invejáveis, sucinta, prática e concisa. "Amigo respostas curtas, que já não estamos em tempo de discursos".

Alice Vieira nasceu em Lisboa, em 1943. Nos anos 60 deixou-se levar pelo jornalismo – e nunca mais de lá saiu.
A partir de 1979, acumulou com a escrita de livros. Mais de 70, até hoje. Para crianças, para adolescentes, para adultos.
Muitas traduções por esse mundo fora,  alguns prémios.
Mas continua a não saber nada, como não sabia ao princípio.

1 - O mundo, tal como o conhecemos, está em rápida desagregação, crise de valores, falta de solidariedade e com acentuado e excessivo incremento do poder financeiro. De que forma pode a literatura modificar ou alterar este estado de coisas ou qual o seu papel neste nosso novo mundo?

A literatura não muda coisa nenhuma. A literatura pode fazer de nós pessoas melhores – e isso é que é importante.
   
2 - A literatura e os seus suportes estão, também eles, em mudança assistindo à expansão dos suportes digitais em detrimento do velho papel. E o leitor actual? Mudou? Evoluiu? É mais exigente? Continua com sede de aprender ? Ou busca apenas entretenimento?

O mundo mudou, os leitores mudaram, todos nós mudámos. Mas os clássicos – em suporte papel ou digital – continuam a ser as nossa referências. Não sei, nem me importa saber, se o público evoluiu, se é mais exigente, se continua com sede de aprender ou só quer entretenimento (e porquê separar o “aprender” do “entretenimento”???). Sei que eu sou, como sempre fui, muito exigente e, ao mesmo tempo, muito egoísta: escrevo para mim, como eu acho que devo escrever. Se depois as pessoas me leem… ótimo. Mas nunca penso nelas à partida. (Não estou a falar dos livros para crianças muito pequenas, porque isso é outro departamento… Estou a falar de literatura.)

3 - Na sua actividade literária já percorreu todos os tipos de público. Juvenil, adulto, etc. Há muitas diferenças entre esses tipos de público? Qual o grau de exigência ou pontos de contacto?

Penso que já ficou respondido. O grau de exigência é o mesmo.

4 - Passando a sua obra em revista, qual a importância da memória e do quotidiano na sua escrita?

A memória e o quotidiano são o meu alimento. Sempre foram. Como jornalista, acho que nunca poderia ser de outra maneira

5 - Em Bica Escaldada reúne uma série de textos onde se vai impondo uma crónica de costumes da sociedade portuguesa das últimas décadas. À luz dessas histórias e dos tempos que vivemos sente que se perdeu a inocência, o humor, o interesse e preocupação pelo outro  em detrimento de uma certa desilusão?

Essa de “estarmos desiludidos”, coitadinhos de nós, é uma ótima desculpa para não fazermos nada… E é evidente que não podemos cair em generalizações. As  minhas crónicas da “Bica Escaldada” foram publicadas nos anos 80. Não há telemóveis, nem iPads, nem outras maravilhas fatais da nossa idade. Mas continuam a ser lidas hoje. Como  acontece, por exemplo, com o “Chocolate à Chuva”, um romance que escrevi há 30 anos, e que continua, ainda hoje, a ser lido nas escolas…
O mal de muitos autores é quererem escrever para a posteridade... A gente sabe lá o que vai ser a posteridade… Escrever para nós, no nosso tempo, com grande rigor e com grande exigência é a única solução.



ALFABETO

Foto retirada de Painters amateurs

Queria saber que alfabeto era aquele com que escrevia amor a gemer baixinho, que caminho levava  a  curva suave do perfil, a respiração melosa e o rosto a transpirar ternura em maiúsculas.
Só o tempo, avaro nas horas, a impedia de ver de que tamanho era aquele gostar. Ele acabou por se vestir à pressa,  de olhos postos no seu corpo à espera de um sinal, distendido  de forma lânguida, sobre a cama. 

Um beijo, um sorriso e um silêncio…

A vida era mais bonita assim… sem explicações…

terça-feira, 7 de agosto de 2012

FANTASIAS TEXTUAIS




Estava exausta. Exausta de palavras e de espera. Apesar disso, sabia que ele viria e, assim, esperava. Esperava só mais uma vírgula, mais um  parágrafo, para sorrir com o desvelo e o carinho das suas palavras doces e seguras.  Ele acabava por chegar. Chegava sempre. Um sono tardio e incompleto num bocejo quase sorriso que lhe escancarava  a porta para o encontro físico, na matemática de dois corpos que se enrolavam num algarismo mágico  pleno de química e afecto, numa equação infinita onde o tempo era apenas um espaço entre linhas. 

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

ENTREVISTA COM CATARINA FONSECA




Um espaço que se pretende vivo não se limita a ser juíz (com mais ou menos polémica salarial) em causa própria. De vez em quando mete a foice em seara alheia. Voltamos, por isso, ao ciclo de entrevistas a algun escritores da nossa praça.
Nasceu em Lisboa em 1969. Licenciada pela Faculdade de Letras de Lisboa e mestre em Literatura Inglesa mantém a imagem fresca e jovem, levemente rebelde, que lhe conheci nos tempos de estudo. Ainda muito jovem publicou A Malta do 2º C que lhe valeu o Prémio Inasset Inéditos de Literatura Infantil 1988. Mais tarde publicou A Herança, obra merecedora do Prémio Revelação APE 1987 e Adeus, Al Capone.Tendo iniciado, posteriormente  a sua escrita para adultos com Boi Vermelho a que se seguiram muitos outros títulos e colaborações com diversos autores, mantendo, actualmente, colaboração regular com a revista Activa. Passemos pois às cinco questões da praxe onde a dscontracção e o bom humor são a tónica dominante.

1 – Entre “A Malta do 2º C” e “Boi Vermelho” ou “A Guardiã” experimentou uma série de registos e de abordagens ou temas. Sendo o primeiro dedicado ao leitor jovem e, salvaguardadas as diferentes faixas etárias, de que forma sentiu o grau de exigência dos dois tipos de leitores? Algum foi mais fácil que outro? Ou por outra: Há algum leitor” fácil?”

- Esta pergunta é muito fácil: o meu leitor sou sempre eu, portanto em teoria ele nunca muda, o que dá imenso jeito. Como eu sou uma leitora incrivelmente chata, não dá jeito nenhum porque passo o tempo a levar na cabeça de mim própria. E aborreço-me com muita facilidade, daí estar sempre a mudar de registo. Numa revista, temos sempre a preocupação de chegar aos leitores, e sabemos mais ou menos quem eles são e de que é que gostam. Um livro é essencialmente egoísta: nunca tenho a sensação de que há alguém a quem eu tenho de agradar ou que não vai perceber isto ou aquilo. Claro que, como sou otimista, confio que haverá do outro lado muitas almas gémeas que me vão perceber e acompanhar. E há.

2 – “Talvez, pensou ele, aconteça como nos espelhos partidos. Talvez agora a imagem e a realidade se tornem a unir por um momento, antes de se voltarem a separar” (Boi Vermelho) Afinal, É isso? Imagem e realidade da vida separam-se para se voltarem a unir? Ou a literatura é o elo de união entre ambas?

 - Hehehe. Não. É só uma frase bonita que não vale a pena explicar. As frases bonitas são como as anedotas, se as explicamos deixam de ter graça.

3 – Relativamente ao trabalho literário… Acha que o trabalho literário é reparar no que está escondido no quotidiano ou, por outro lado, as coisas estiveram “lá” sempre visíveis e é a intervenção do autor que nos ilumina o caminho?

- hmmm. Não sei se percebi a pergunta. Acho que as coisas não são ‘visíveis’, as coisas existem para cada um segundo aquilo que queremos ou podemos ver, por isso o estar visível depende de quem vê. Cada um tem um código de descodificação do mundo diferente e a literatura é a celebração dessa diferença. Eu gosto de tentar fazer com que as coisas sejam vistas de uma maneira diferente da habitual, para quem as quiser ver comigo. O que me fascina nos livros é precisamente essa elasticidade da alma. Ver o que é visível a outra pessoa, entrar dentro dos seus olhos e do seu código e aprender a ver de outra maneira.

4 - “Herdeiros da história da família, Pedro e Gloriana vão ter de encontrar uma forma de resistir àquilo que os afasta.” ( A Guardiã) Considera ser esse o papel da literatura? Dar-nos o instrumento para ver o mundo diferente de cada vez que olhamos e, assim, encontrarmos forma de resistir àquilo que nos afasta dele?

- Sim, nunca tinha pensado na literatura como uma espécie de treino da atenção, mas é isso mesmo. Não necessariamente atenção ao mundo que está fora de nós (eu sou a pessoa mais distraída do universo, tenho sempre imensa vontade de rir quando me falam em atenção ao mundo, penso sempre ‘ó coitados, se eles soubessem…’), mas atenção à forma como o tornamos nosso e o recriamos. Um escritor não presta atenção ao mundo, presta atenção à forma como ele existe em nós. A teoria da caverna não é necessariamente uma coisa má… Acho mesmo que é uma das coisas que todas as artes têm em comum: tornam-nos mais atentos (seja ao que for…), e mais subversivos, quando nos mostram outros caminhos para lá daquele que a nossa tão pouca atenção nos mostra…

5 – A questão mais fácil… Afinal, já sabe” para que é que ainda serve um homem?”

- Hehhehe. Eu sei, eles é que, coitados, parece que ainda não perceberam…